Natal é um período de reflexão, que convida a revisar as metas traçadas no início do ano e a planejar o futuro
O final de ano é tradicionalmente associado a férias, celebrações e encontros. Para muitos, é também um período de reflexão, que convida a revisar as metas traçadas no início do ano e a planejar o futuro de maneira alinhada aos próprios objetivos e valores. Contudo, enquanto alguns se dedicam às preparações festivas, muitos relatam sentimentos intensos de tristeza e ansiedade, que frequentemente emergem com mais força nesta época.
Pessoalmente, dezembro é também o mês que antecede o meu aniversário, o que naturalmente me leva a refletir sobre os principais desafios enfrentados ao longo do ano que passou. Esse período de introspecção me faz pensar sobre as atitudes, comportamentos e pessoas que marcaram a minha trajetória. Entre essas pessoas, estão minhas amigas, que frequentemente inspiram reflexões profundas sobre o que significa ser mulher nos dias de hoje.
Algumas delas, além de exercerem suas carreiras, são mães que, mesmo durante as férias do trabalho, carregam a sobrecarga dos afazeres domésticos e das tarefas relacionadas ao cuidado e ao entretenimento das crianças. Essa dupla jornada, especialmente em um período que deveria ser de descanso, revela desafios importantes sobre as dinâmicas sociais e os papéis que as mulheres desempenham na atualidade.
Essa exaustão traz um importante questionamento sobre um trabalho que, na maioria das vezes, é invisível. Segundo um estudo sobre a Economia do Cuidado, do Comitê de Oxford para o Alívio da Fome (Oxfam), mulheres realizam mais de três quartos do trabalho de cuidado não remunerado no mundo, o que teria contribuído com US$10,9 trilhões para a economia global em 2020, se recebessem um salário mínimo pelas tarefas que realizam.
Outro dado é que, apesar dos avanços no mercado de trabalho, a responsabilidade com a família continuou quase que exclusivamente sobre as mulheres ao longo das duas décadas em que a pesquisa foi conduzida. E os seus efeitos não terminam por aí: o excesso de trabalho no lar acaba as impedindo de alcançar melhores posições na vida profissional. E soma-se a isso, a pressão constante por produtividade, que não cessa nem mesmo nos momentos de pausa.
O filósofo sul-coreano-alemão Byung-Chul, em “Sociedade do Cansaço”, diz que vivemos em uma era marcada pela exaustão mental e física, resultado de um sistema que prioriza desempenho e individualismo. Estamos em uma época em que a produtividade incessante é glorificada, e o desempenho — seja no trabalho, nos cuidados familiares ou até no lazer — torna-se um padrão opressor. No caso das mulheres, essa lógica se agrava pela soma das expectativas sociais: além de profissionais exemplares, espera-se que sejam mães perfeitas, parceiras atenciosas, organizadoras das festividades e ainda mantenham a aparência de quem “dá conta de tudo”.
E a verdade é que, enquanto nos autocoagimos para atender às exigências de produtividade e nos pressionamos para sermos otimistas e autossuficientes, somos humanas. E temos limites, que não precisam ser superados. Fato é que romantizaram tanto a sobrecarga que, quando a gente descansa, a gente se culpa. Não precisamos da sensação de inadequação, nem do sentimento de “não ter feito o suficiente”.
O meu desejo nesse Natal é que deixemos a sensação de insuficiência de lado, para que possarmos nos desconectar e aproveitar o momento presente. Que possamos, ao menos por uns dias, esquecer das listas intermináveis de tarefas. Que o descanso seja valorizado como um direito, e não um luxo. Que possa ser um momento de ressignificar o tempo e dar mais espaço ao que realmente importa: conexões genuínas, momentos de presença e o autocuidado, sem culpa ou a necessidade de justificar pausas.
Quem sabe o maior desafio desse final de ano não seja revisar e estabelecer metas, mas aprender a ser, antes de fazer. Talvez maior presente de Natal seja o de desacelerar, dividir responsabilidades e criar espaços para que as mulheres possam ser e descansar. Porque, no fundo, resistir à lógica da exaustão é um ato de autocuidado. E, também, de transformação social.
Itatiaia