Os golpes na internet aumentaram cerca de 400%. A terceira idade segue como alvo preferencial, por causa da pouca intimidade com as novas tecnologias. Para especialistas, o letramento digital é a melhor forma de aumentar a segurança
A crescente digitalização de serviços acende o alerta para como os idosos do Distrito Federal estão lidando com a inclusão digital. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no DF essa população segue com a maior proporção de usuários de internet entre as unidades da federação. O número saltou de 79,3%, em 2023, para 84,8%, no ano passado.
Especialista em investigação cibernética, o delegado da Polícia Civil (PCDF) Erick Sallum afirma que, nos últimos cinco anos, os golpes digitais aumentaram cerca de 400%. "É o crime da modernidade. A consolidação dessa prática ocorre, principalmente, pela capacidade dos criminosos de escolher as vítimas. Eles sempre optam por pessoas mais idosas, pela maior chance de convencê-las a cair nas histórias contadas", comenta.
De acordo com ele, isso se dá pelo fato de a maioria das tecnologias atuais, como as redes sociais e smartphones, terem surgido há pouco tempo. "Ou seja, grande parte da população idosa viveu, em sua idade adulta, um período mais analógico, e está se vendo bombardeada pelas novas tecnologias", explica. Sallum acrescenta que, muitas vezes, esse público tem uma fragilidade emocional que é explorada pelos criminosos.
Prevenção
Depois de cair em dois golpes digitais, a dona de casa Maria de Jesus Costa, 75 anos, decidiu procurar um curso de informática para ficar mais atenta. "Aprendi a checar se a mensagem ou o link que estou recebendo é ou não confiável, antes de clicar", comenta a moradora de Taguatinga Norte.
Além da prevenção, a idosa teve outro motivo para fazer o curso. "Queria praticar e aprender a usar o celular, a internet e ficar por dentro do desenvolvimento que a tecnologia nos oferece. Ela está muito avançada e a tendência do ser humano é acompanhar", avalia. "Se a gente está com uma idade avançada, mas o cérebro está normal, os olhos, os ouvidos, as pernas e os braços também estão, por que não acompanhar a tecnologia?", questiona Maria de Jesus.
Estatística, demógrafa e professora da Universidade de Brasília (UnB), Marília Miranda ressalta que os impactos da inclusão digital na qualidade de vida dos idosos são totalmente positivos. "Contribui não só para que o idoso se sinta inserido nesse novo meio tecnológico, mas para que evite, por exemplo, o isolamento social. De forma direta ou indireta, vai contribuir para uma melhor qualidade de vida e para uma melhor saúde, especialmente a mental", observa a especialista (leia mais em Três perguntas para).
Motivação
Projeções do IBGE indicam que em 2070, 40,4% da população do DF será de idosos, um aumento significativo comparado aos 13,5% de 2024. Com essa mudança, a capital está a caminho de se tornar a unidade federativa mais envelhecida do Brasil. Por isso, o coordenador do Núcleo de Extensão da Universidade Católica de Brasília (UCB), José Ivaldo Lucena, alerta que a família e a comunidade são fundamentais na inclusão digital dos idosos, atuando como facilitadores, motivadores e agentes de transformação. "Quando esses dois grupos se envolvem ativamente, o processo se torna mais acolhedor, eficaz e duradouro", afirma.
Segundo o especialista, as metodologias de ensino mais eficazes são aquelas que respeitam o ritmo de aprendizagem, valorizam a experiência de vida e promovem autonomia da pessoa idosa. Porém, Lucena comenta que existem obstáculos no acesso à alfabetização digital para esse público. "O principal é a ausência de cursos disponíveis que respeitem o ritmo de aprendizagem deles e que sejam próximos de onde moram", assinala. "A falta de familiaridade com as novas tecnologias atrapalha, pois muitos não tiveram contato com dispositivos digitais ao longo da vida", acrescenta.
O coordenador da UCB reforça que muitos idosos evitam acessar aplicativos bancários, redes sociais ou fazer compras on-line por medo de serem enganados. "Esse receio pode levar à exclusão digital voluntária, mesmo quando há acesso à internet e a dispositivos disponíveis. A constante exposição a notícias sobre golpes e fraudes gera ansiedade e desconfiança, tornando o ambiente digital um espaço hostil", opina o especialista.
Por isso, o delegado Erick Sallum ressalta que a principal coisa a se fazer é conversar. "É importante tentar trazer a ideia de que, atualmente, não dá mais para ter a boa-fé de antigamente, quando se podia comprar algo na mercearia da esquina com a confiança de poder pagar depois. Vivemos uma realidade na qual é preciso desconfiar de tudo", compara.
Por meio de nota, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) destaca que trabalha com dois projetos: o Inclusão Digital da Pessoa Idosa, de iniciativa de um servidor da pasta; e o Melhor Idade Conectada, criado a partir de emenda parlamentar. De acordo com a nota, durante as aulas, módulos abordam temas como a potencialização de formas de se proteger de criminosos e assediadores digitais.
A Sejus informou que está em fase de formalização uma parceira com o Senac, que pretende contratar cursos profissionalizantes para pessoas com 60 anos ou mais, bem como indivíduos de outras faixas etárias que lidem diretamente com essa população, como familiares, cuidadores e profissionais que atuem na promoção do envelhecimento digno. Entre os assuntos, está a inclusão digital, segundo a secretaria.
Também por meio de nota, a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Distrito Federal (Secti-DF) informou que, de 2024 até agora, implementou mais de 15 projetos com foco em inclusão digital para todas as idades. "Uma dessas iniciativas é o Brasíl.IA, que percorreu 28 regiões administrativas ao longo dos sete primeiros meses deste ano e formou mais de 3 mil alunos. Entre eles, 20 idosos que viram no projeto a oportunidade de ter o primeiro contato com a tecnologia ou de aperfeiçoar o conhecimento", afirmou a pasta.
Terceira idade conectada
A Universidade Católica de Brasília abre vagas para o curso gratuito de Informática Básica voltado à terceira idade. A iniciativa busca promover a integração entre gerações, incentivar o voluntariado entre os alunos e capacitar idosos no uso das tecnologias digitais. O curso, oferecido de graça, faz parte das ações comunitárias da UCB e conta com a participação de professores, coordenadores e monitores. O conteúdo programático abrange temas fundamentais para a inclusão digital da terceira idade, como a desinformação. As aulas serão ministradas presencialmente no campus Taguatinga ou no campus Ceilândia, de 18 de agosto a 8 de dezembro, com encontros de segunda a sexta-feira, das 15h às 18h.
Segurança centrada no ser humano
Nate Chessin, vice-presidente mundial em engenharia de sistemas da Proofpoint
Durante anos, as estratégias de segurança cibernética se concentraram na proteção da infraestrutura — dispositivos, redes e servidores. Mas hoje, o maior risco e a maior oportunidade estão nas pessoas. A segurança centrada no ser humano reconhece que os usuários não são apenas alvos de ameaças, mas também participantes na defesa contra elas. Em um mundo digital definido por aplicativos em nuvem, trabalho remoto e acesso que prioriza a identidade, proteger as pessoas, não apenas as máquinas, é a base da resiliência.
Os cibercriminosos entendem isso. Eles não precisam invadir — eles simplesmente fazem login, explorando identidades e confiança humana. Seja por meio de phishing, engenharia social ou seja por meio de permissões de aplicativos maliciosos, os invasores visam indivíduos. E com o surgimento da IA generativa, as ameaças estão se tornando mais personalizadas, convincentes e rápidas do que nunca.
É por isso que interromper ameaças direcionadas deve começar com a visibilidade de quem está sendo atacado, como e por quê. As equipes de segurança precisam de informações sobre as táticas dos agentes de ameaças e a capacidade de entender quais usuários estão sendo socialmente projetados, representados ou manipulados. Adaptar as defesas para proteger os indivíduos mais vulneráveis ou valiosos não é mais opcional — é essencial.
Marília Miranda, estatística, demógrafa e professora da UnB
Qual é o panorama da inclusão digital para a população idosa no Distrito Federal?
A transformação digital trouxe desafios. Tivemos, especialmente em virtude da pandemia de covid-19, mudanças rápidas e estratégicas, relacionadas ao uso da tecnologia. Só que, quando pensamos em inclusão digital, a população idosa enfrenta uma certa dificuldade, pois são pessoas que têm uma escolaridade mais baixa e são pouco expostas à tecnologia. Além das dificuldades, parte dessa população apresenta certa aversão à adesão. Pensando na população idosa, apesar de a gente ter um crescimento do acesso à internet, muitos dos idosos, no Censo de 2022, aproximadamente 65% deles, não usavam a internet porque não sabia como acessar. Temos um padrão que é muito mais forte entre os idosos com 80 anos ou mais, que são justamente os que têm menor escolaridade e maior dificuldade, não só relacionada à habilidade tecnológica, mas também devido a questões cognitivas e incapacidades, tendo em vista a idade.
As políticas públicas ou iniciativas do GDF para promover a inclusão digital dos idosos são suficientes?
Não. Uma coisa é pensar na inclusão digital, outra é na alfabetização digital. E, no caso das pessoas idosas, isso é muito mais importante. Não adianta apenas a população ter acesso à internet, é necessário também que ela saiba utilizar a tecnologia, de fato. Ainda é preciso criar políticas públicas com esse viés pensando nesse perfil específico que a população idosa tem. E isso não é só o GDF, é de uma forma geral.
Quais são as próximas tendências e desafios que devemos esperar nesse campo?
Eles estão relacionados às políticas públicas, que devem começar não só no pensamento do que deveríamos fazer para promover uma maior inclusão digital para a pessoa idosa, mas também em como essa população poderia contribuir para uma menor desigualdade nesse sentido. É preciso escutar quais são as dificuldades e os medos que os idosos enfrentam, quando o assunto é a transformação digital. Outro desafio é pensar não só na inclusão, mas na alfabetização digital da pessoa idosa.
Correio Braziliense