O pequeno Hariel Lucas Santos de Melo, de 2 anos, morreu após ser atropelado por um carro desgovernado conduzido por uma adolescente de 15 anos no bairro São Benedito, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), nesse domingo (7/12). O dono do veículo, de 28 anos, que estava no banco do passageiro e acompanhava a jovem, foi espancado por moradores, disse que "era homem" e iria "segurar o B.O". Na esperança de que a Justiça tomará as devidas providências e com o coração enlutado, a família de Hariel irá se despedir do pequeno nesta terça-feira (9/12) no Cemitério Belo Vale, em Santa Luzia.
Dinâmica do acidente
Segundo a Polícia Militar, a jovem conduzia um Volkswagen Gol acompanhada do proprietário do veículo, que estava no banco do passageiro e dava instruções. A mãe da adolescente contou que o homem insistiu diversas vezes para que a garota aprendesse a dirigir, e ambos subiram a rua em uma suposta aula prática. Ela estava no banco traseiro acompanhando a dupla.
De acordo com relatos, ao tentar subir uma ladeira, o carro perdeu força e desceu desgovernado em marcha a ré, atingindo um muro e atropelando duas crianças que estavam no passeio. O menino de 6 anos ainda tentou fugir, mas foi atingido. A criança de 2 anos ficou presa sob o veículo.
Moradores tiraram as vítimas do local, o que pode ter alterado a cena do acidente, segundo a perícia. A equipe do Samu constatou a morte da criança mais nova no local. O menino de 6 anos teve ferimentos na cabeça, foi levado pela família para a UPA São Benedito, recebeu sutura e permanece em observação.
O proprietário do carro confirmou ter sido agredido por populares diante da comoção após o acidente. Ele tinha lesões no joelho e hematomas e foi socorrido ao Hospital Risoleta Neves. A Polícia Militar não conseguiu identificar quem o agrediu. O homem recebeu voz de prisão e será investigado por permitir que a menor dirigisse.
A adolescente foi localizada em uma residência próxima com a mãe e levada à delegacia. O veículo, que estava com o licenciamento em atraso e com vidros laterais quebrados, foi removido ao pátio credenciado. A perícia esteve no local, constatou danos na traseira do carro e ruptura de estruturas construídas no passeio por moradores para mitigar acidentes. O rabecão recolheu o corpo do menino que morreu.
Vídeo mostrou carro desgovernado
Um vídeo de circuito de segurança mostrou o momento do acidente. As imagens registram o veículo voltando de ré pela rua Maringá até atingir o passeio onde Hariel e outra criança, de 6 anos, estavam.
Família faz vaquinha para custear sepultamento
A família de Hariel está realizando uma vaquinha solidária para arrecadar o valor necessário para o sepultamento. Segundo o tio do menino, o músico Johnata de Oliveira Teixeira, de 29 anos, a família não tem condições de arcar sozinha com os custos.
“Meu sobrinho, de apenas 2 anos, sofreu esse acidente brutal e estamos pedindo ajuda de quem puder colaborar para o sepultamento. Qualquer valor já faz diferença. Agradecemos muito a quem puder ajudar”, afirma .
As contribuições podem ser feitas via Pix, de qualquer valor, para o número (31) 98110-9401, em nome de Johnata.
"Segurar os B.O.”, disse dono de carro após o atropelamento
O corpo do pequeno foi liberado pelo Instituto Médico Legal (IML) na noite desta segunda-feira (8/12), no bairro Gameleira, região Oeste de Belo Horizonte. No local, o tio do menino fez um apelo por justiça. "Ele foi morto pela imprudência de pessoas irresponsáveis. Queremos que a justiça seja feita e que quem fez isso pague pelo que fez”, afirmou.
De acordo com Johnata, ele não sabe qual é o vínculo do rapaz com a adolescente, que conduzia o carro que atingiu Hariel. O tio da criança disse que a situação despertou a revolta dos moradores. "O que ele era da adolescente a gente não sabe. Mas o que que ele alegou ali na hora foi: vou segurar meu B.O., eu sou homem, eu seguro meus B.O. E aí a população espancou ele. Foi muito revoltante, uma criança de 2 anos ser morta brutalmente dessa forma", declarou.
Para o músico, a ocasião que interrompeu a vida do pequeno Hariel demonstrou total irresponsabilidade tanto do dono do veículo quanto da adolescente que dirigia. De agora em diante, a família da criança clamará por justiça.
"A gente não quer denegrir a imagem de ninguém. Respeitamos ambas as partes, mas queremos que a justiça seja feita. Porque foi muita irresponsabilidade. É a vida de uma criança que foi interrompida. Ela não é um cachorro. Até se fosse mesmo, pois é um ser vivo. Mas estamos falando de uma criança que teve um sonho interrompido por imprudência e irresponsabilidade", enfatizou.
Criança havia acabado de voltar da igreja
Hariel havia acabado de voltar da igreja com o pai e a irmã de 8 anos quando foi atropelado. O menino ficou na porta de casa “comendo pipoquinha”, quando o veículo desceu a rua de ré e o atingiu.
"Foi questão de segundo. Essa moça (a adolescente) subiu com o carro e já voltou de ré, devastou tudo. Foi muito rápido. Ele era uma criança indefesa, muito alegre, feliz, um sonho interrompido, com muita vida pela frente", disse Johnata.
Tainara Raiane, tia do menino, pede que haja a devida responsabilização pelo atropelamento. “É uma imprudência o que aconteceu com meu sobrinho. Queremos justiça, isso não pode ficar impune. Deixar uma adolescente dirigir é uma irresponsabilidade muito grande”, reforçou Tainara.
O que diz a Polícia Civil?
Em nota, a Polícia Civil informou que, assim que acionada, a se deslocou a perícia oficial ao local do acidente. A prisão em flagrante do proprietário do carro também foi confirmada. Confira o posicionamento da instituição na íntegra:
"Assim que acionada, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) deslocou a perícia oficial ao local do acidente ocorrido na noite de ontem (7/12), no bairro São Benedito, em Santa Luzia, para realizar os trabalhos de praxe. Na ocasião, a vítima, de 6 anos, foi direcionada para atendimento médico. E o corpo da criança, de 2 anos, foi encaminhado ao Instituto Médico-legal Dr. André Roquette (IMLAR) para ser submetido a exames e aguarda retirada pelos familiares.
A PCMG esclarece que a condutora, uma adolescente de 15 anos, foi conduzida e, na presença do representante legal, ouvida pela autoridade policial, que realizou o Auto de Apreensão em Flagrante de Ato Infracional (AAFAI) pela prática do atos infracionais análogos aos crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor e de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. Em seguida, ela foi liberada mediante a assinatura do Termo Compromisso de Entrega sob Guarda e Responsabilidade, conforme procedimento previsto no artigo 174 do Estatuto da Criança e do Adolescente
E o passageiro, de 28 anos, teve a prisão em flagrante ratificada pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, em razão de ter confiado a direção do veículo a pessoa não habilitada. Após os procedimentos de polícia judiciária, ele ficou à disposição da Justiça".
Morte de criança é alerta sobre aulas de direção fora da autoescola
O atropelamento que matou Hariel reacende o debate entre especialistas sobre os riscos do aprendizado de direção em carros próprios.
Para especialistas em trânsito, a tragédia é um alerta direto em meio à flexibilização das regras de formação de motoristas. A nova resolução do Contran, que deverá ser publicada no Diário Oficial da União (DOM) nesta terça-feira (9/12), permite que candidatos façam aulas práticas no próprio carro, sem a obrigatoriedade de autoescolas e sem veículos adaptados com pedal duplo.
"Esse é um acidente emblemático", afirma o especialista em trânsito Silvestre Andrade. Segundo ele, o episódio mostra um risco que tende a se intensificar: pessoas sem preparo ensinando outras que também não têm qualquer treinamento e em situações inadequadas para iniciantes.
“Certamente isso vai se repetir. Pessoas não treinadas ensinando outras não treinadas a dirigir, em carros sem adaptação e em locais que provavelmente não são os melhores para começar”, diz. Ele afirma que o país vive um período de transição perigoso: o modelo atual, embora criticado, conta com profissionais experientes e veículos equipados para emergências. Com a flexibilização, essa segurança desaparece.
"O instrutor tem breque próprio. Ele freia o carro quando o aluno não dá conta. Ele também avalia a conduta do aluno e sabe quando evitar situações como uma rampa forte. Saber dirigir não é o mesmo que saber ensinar. Não é só equipamento, é o investimento no humano, no profissional que fez disso a sua profissão.”
Roberta Torres, especialista em Educação para o Trânsito, também critica o novo modelo de formação de instrutores e a falta de uma estrutura pedagógica consistente. “A norma afrouxou a formação de instrutores. O carro sem adaptação coloca todos em risco. A resolução é tecnicamente e pedagogicamente falha. Ganhamos em custo, mas perdemos em qualidade.”
Falta de preparo e alta circulação agravam cenário
O psicólogo e coordenador socioeducativo da Associação Brasileira de Educação para o Trânsito (Abetran), Marccelo Pereyra, reforça que o trânsito brasileiro já apresenta sobrecarga e pouca fiscalização. Segundo ele, permitir que pessoas aprendam a dirigir sem orientação adequada tende a produzir novos acidentes semelhantes ao de Santa Luzia.
“Toda alteração no Código de Trânsito traz consequências. O que vimos em Santa Luzia tem grande probabilidade de se repetir, muito impactado pela alteração nas regras para adquirir a carteira.” Pereyra alerta para o risco de familiares assumirem a função de instrutores, inclusive com adolescentes.
“Vamos ver pai, mãe, tio, irmão tentando habilitar precocemente pessoas até menores de 18 anos. São fatos lamentáveis que vão se repetir. Alguém precisa assumir a competência de educar, e quem será esse educador?”, questiona.
O que muda com a nova regra da CNH?
A nova resolução do Contran permitirá que candidatos se formem fora das autoescolas, com redução de até 80% no custo do processo, segundo o governo federal. As principais mudanças incluem:
- Fim da obrigatoriedade das aulas teóricas presenciais — o candidato poderá optar por curso online gratuito ou aulas presenciais.
- Apenas 2 horas obrigatórias de aulas práticas, podendo ser feitas com instrutores independentes credenciados.
- Possibilidade de uso do próprio carro do candidato, sem adaptação de pedal duplo.
- Digitalização do processo de habilitação via Senatran e CDT.
O governo federal afirma que a medida busca reduzir o número de motoristas irregulares. Em 2025, até setembro, cerca de 800 mil multas por dirigir sem habilitação foram registradas no país.
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