Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que crime organizado gera impacto profundo ao país
A infiltração do crime organizado em setores formais da economia gerou um prejuízo de quase R$ 500 bilhões durante um ano, mostrou uma nota técnica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O documento identificou que a movimentação financeira, capitaneada por facções criminosas, se deu a partir da presença em 16 setores econômicos.
Ao todo, os grupos somaram R$ 453,5 bilhões em 2022, segundo os cálculos da CNI, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O valor, destaca o estudo, superou o Produto Interno Bruto (PIB) de Santa Catarina no período. A publicação foi feita a reboque da operação Spare, deflagrada na semana passada. A força-tarefa mirou o uso de empresas de diversos ramos econômicos, como motéis e lojas de franquias, para lavar bilhões movimentados com o crime organizado.
De acordo com o material, em apenas um ano o Brasil deixou de arrecadar R$ 136 bilhões em impostos. A atuação de grupos criminosos também impediu a criação de 370 mil empregos diretos no país. “O mercado ilegal compromete o futuro do país, drena recursos da economia, distorce relações concorrenciais, contribui para a insegurança, precariza o mercado de trabalho e o bem-estar da população. O impacto das ilegalidades na indústria brasileira é sistêmico e profundo. Afeta sua sustentabilidade econômica, capacidade de inovação e competitividade global”, atestou a CNI, em nota.
Na avaliação do coordenador da Escola de Segurança Multidimensional (Esem) da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Piquet, o impacto gerado, sobretudo à geração de empregos, se explica com a perda de mercado por empresas que atuam dentro da legalidade. “Eles (grupos criminosos) roubam a participação de mercado das empresas formais porque estão operando no contrabando, na falsificação. O setor de tabaco e nicotina, por exemplo, é o número um de falsificação e contrabando. Essas mercadorias poderiam ser produzidas gerando empregos e recolhendo impostos dentro de toda estrutura legal vigente, mas acabam sendo capturadas pelo crime organizado”, disse.
Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de 2024, apontou que 40% do mercado nacional de cigarros é composto por produtos ilegais, resultando em um prejuízo fiscal de R$ 94,4 bilhões em 11 anos. “Toda economia ilícita também cria riquezas. O faturamento ilícito também movimenta o mercado imobiliário, o mercado de luxo e muitas outras coisas a partir desses fluxos financeiros e em vários lugares como Panamá, Colômbia. Há um PIB ligado ao ilícito e isso não é trivial, porque esse aporte de recursos vai criando também uma rede de corrupção”, assinalou Piquet.
Operações representam avanço
Conforme a nota técnica da CNI, operações como a realizada nas últimas semanas - mirando o núcleo financeiro de organizações como Primeiro Comando da Capital (PCC) -, são importantes demonstrações do Estado em conseguir unir coordenação estratégica, articulação federativa, inteligência policial, investigação criminal e capacidade de rastreamento financeiro. “Também ressaltamos o anúncio do Ministério da Fazenda que criou uma delegacia, dentro da Receita Federal, para perenizar uma estrutura de combate ao crime organizado e investigar crimes financeiros com arquitetura complexa”, observou.
Para Leandro Piquet, da USP, houve uma virada de chave no Brasil no enfrentamento do crime organizado com uso de dados e inteligência. “É uma abordagem baseada em mercados. Os mercados passaram a orientar as investigações, essa é a grande novidade. E não só em atividades lícitas em que ocorre a infiltração. Mas também no tráfico de drogas e armas, de se ter uma visão mais econômica do processo de produção e comercialização”, sintetizou.
Pesquisador e assessor de relações internacionais do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Nívio Nascimento também coloca como ponto positivo o novo modelo de enfrentamento às facções no país. “Nos parece o caminho certo, especialmente pelos resultados em termos de descapitalização e sem dar um tiro sequer”, comentou. Ele, porém, diz que há um caminho ainda a ser percorrido para obter integração de órgãos de controle e forças de segurança, e uma padronização na apuração e uso de dados para chegar ao crime organizado.
“O Brasil ainda tem muita coisa a compreender para que a resposta seja baseada em evidências e vá ao ponto estratégico das organizações. Temos pouco conhecimento e um sistema de segurança pública em regime federalista complexo em que circular ou reter informações sobre organizações criminosas é algo ainda pouco regulado”, acrescentou.
CNI cita avanços, mas fala em união de esforços
A nota ainda destacou o avanço das pautas de segurança pública no Congresso Nacional, como a recente aprovação na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição da Segurança Pública (PEC 18/2025), que agora terá o mérito analisado por uma Comissão Especial. No Senado Federal, ressaltou a tramitação do Projeto de Lei 1482/2019, que tipifica os crimes de furto e roubo de combustíveis – matéria já aprovada pela Câmara dos Deputados
Outra pauta central da agenda legislativa prioritária, é a aprovação na Câmara dos Deputados e a sanção do Projeto de Lei Complementar 125/2022, que trata do Devedor Contumaz. No entanto, a nota destaca que o texto final precisa diferenciar o criminoso fiscal do empresário em dificuldade, impondo sanções, como o cancelamento da inscrição de empresas sobre aquelas que usam a falta de pagamento como modelo de negócio.
“São necessários aperfeiçoamentos para definir o devedor contumaz de forma segura e assertiva, sem que haja o risco de também alcançar, indevidamente, o mero inadimplente”, enfatizou o texto. O texto também ratifica a necessidade de garantir o fortalecimento e a garantia orçamentária das agências reguladoras, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como pilares da fiscalização e do combate à ilegalidade.
Um estudo do Instituto Esfera de Estudos e Inovação, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrou que a infiltração do crime organizado na economia formal no país é facilitada por falta de estrutura de funcionários do Coaf. Entre 2015 e 2024, as comunicações de operações financeiras suspeitas ao Coaf dispararam 766,6%. O órgão, contudo, não recebeu um incremento de funcionários e seguiu com 93 servidores para identificar as possíveis fraudes.
“O ciclo virtuoso do combate ao Brasil Ilegal requer a mobilização e união de esforços públicos e privados, em defesa dessas Operações como uma política estratégica de Estado capaz de defender nossa economia e garantir um ambiente de negócios justo para quem produz, gera emprego e contribui para o futuro do nosso país”, concluiu a CNI.
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