Nascida em 20 de agosto, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, a bebê ficou dois meses sem registro depois que o cartório recusou o nome
Um casal de Juiz de Fora (MG), na Zona de Mata mineira, conquistou na Justiça o direito de registrar a filha com o nome Mariana Leão Silva Campos, após o cartório da cidade negar o pedido sob o argumento de que o nome poderia “expor a criança ao ridículo”. A decisão judicial reconheceu que o nome não é vexatório e permitiu o registro, realizado no dia 20 de outubro, quando a menina completou dois meses de vida.
A bebê nasceu em 20 de agosto de 2025, mas o cartório se recusou a registrar o nome, alegando que “Leão” não seria um prenome próprio nem feminino, que poderia causar constrangimento por se tratar do nome de um animal e que não havia registros anteriores do prenome.
Motivação religiosa
Os pais recorreram à Justiça para justificar a escolha do nome. Segundo a mãe, que preferiu não se identificar, a escolha tinha caráter religioso e simbólico. “A homenagem começa com o nome ‘Mariana’, que significa cheia de graça. Para a Igreja Católica, este é o ano jubilar, o ano da graça. Pensamos em vários nomes compostos e nos perguntamos: por que não homenagear o Papa Leão XIV e todos os outros que usaram o mesmo nome?”, relatou a mãe.
O juiz Augusto Vinícius Fonseca e Silva, da Vara de Sucessões, Empresarial e de Registros Públicos, determinou o registro imediato. “A mera associação de um nome a um elemento da natureza, seja flora ou fauna, não o torna, por si só, vexatório. Mariana Leão possui significado digno e respeitável, e a homenagem religiosa afasta qualquer conotação pejorativa”, destacou o magistrado.
O que diz a lei?
Segundo a advogada, Núbia de Paula, vice-presidente da OAB-MG, os pais têm liberdade para escolher o nome dos filhos, mas essa liberdade não é absoluta. “A Lei de Registros Públicos, no artigo 55, proíbe expressamente que nomes possam expor a pessoa ao ridículo. Essa regra existe para proteger a dignidade da criança, mas precisa ser aplicada com bom senso”, explicou.
O cartório deve avaliar se o nome realmente causa constrangimento. Em caso de dúvida, o pedido é encaminhado ao juiz pelo procedimento de dúvida registral, permitindo que os pais expliquem a motivação do nome escolhido. “O simples fato de um nome ser incomum não significa que ele seja vexatório. O Estado deve proteger a dignidade da pessoa, mas sem restringir, de forma arbitrária, a liberdade das famílias e a pluralidade cultural que o nome representa”, acrescentou a advogada.
Do ponto de vista jurídico, o prenome é o nome individual, que distingue a pessoa dentro da família, enquanto o sobrenome identifica a origem familiar e a ancestralidade. “O prenome distingue o indivíduo, já o sobrenome vincula o indivíduo à sua família. Ambos compõem o nome completo, que é um direito da personalidade protegido pelo Código Civil e pela Constituição Federal”, explicou Núbia. Alterar o prenome exige justo motivo. Já o sobrenome pode ser alterado em casos específicos, como casamento, divórcio, adoção ou reconhecimento de filiação.
A lei não define explicitamente o que é um nome vexatório, mas jurisprudência e doutrina entendem como tal aquele que expõe alguém ao ridículo, escárnio, humilhação social ou vergonha. “Exemplos incluem nomes com duplo sentido ofensivo, sexual, referências pejorativas ou de animais de forma constrangedora. Nomes religiosos, artísticos ou simbólicos, como ‘Leão’ em homenagem ao Papa Leão XIV, não são considerados vexatórios”, afirmou a advogada.
Núbia ressaltou que a recusa do cartório poderia prejudicar a criança, que sem registro ficaria sem acesso a direitos básicos como saúde, educação, CPF e plano de saúde, além de não ter sua própria existência civil reconhecida.
O Papa Leão XIV foi eleito em 8 de maio de 2025, sucedendo o Papa Francisco, após conclave realizado em Roma. Ele é o primeiro pontífice agostiniano e o segundo papa americano, depois de Francisco. Robert Francis Prevost, de 69 anos, nasceu em 14 de setembro de 1955, em Chicago, Illinois, filho de Louis Marius Prevost, de ascendência francesa e italiana, e de Mildred Martínez, de ascendência espanhola.
Casos semelhantes
O casal Catarina Prímola, de 27 anos, e Danillo Prímola, de 37, enfrenta uma batalha judicial para registrar o primeiro filho, nascido em 31 de agosto de 2025. Desde o nascimento, a criança era chamada pelos pais de Piiê, em homenagem ao primeiro faraó negro do Egito. O cartório negou o registro em 2 de setembro, e, no dia seguinte, a Justiça de Belo Horizonte manteve a recusa.
Outro caso envolveu a bebê Tumi Mboup, de origem africana. Em decisão publicada em 30 de setembro de 2025, a juíza Daniela Bertolini Rosa Coelho, da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, autorizou o uso do primeiro nome escolhido pelos pais, mas negou o complemento “Mboup”. Na sentença, a magistrada ressaltou que o nome representa direito de personalidade, assim como a identificação com a cultura ancestral dos pais é um direito fundamental.
“A escolha de nomes vinculados à herança cultural africana deve ser respeitada e preservada para, além da construção de uma sociedade plural e justa, reafirmar as raízes, as tradições e os valores de povos historicamente marginalizados”, afirmou a juíza.
Em setembro de 2024, outro casal conseguiu registrar o filho com o nome Piiê, novamente em homenagem ao primeiro faraó negro do Egito, após recusa inicial do cartório e da Justiça. O caso evidenciou que nomes com valor cultural ou histórico têm proteção legal e não podem ser negados por critérios subjetivos.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice / Estado de minas

