Representantes do setor de aço apontam que concorrência desleal do país asiatico provoca desindustrialização nos países da região
Cartagena, Colômbia - O impacto da concorrência chinesa no mercado de aço é uma realidade em vários países da América Latina. Já amplamente debatido no Brasil, o tema foi o foco do primeiro dia do maior evento da siderurgia da região, a Alacero Summit 2025, promovido pela Associação Latino-Americana do Aço (Alacero, na sigla em espanhol), que ocorre em Cartagena, Colômbia.
São 1,4 milhão de empregos ameaçados na região, observou o brasileiro Jorge Luiz Ribeiro de Oliveira, presidente da entidade, e também presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal – Aços Planos América Latina.
O congresso é realizado desde 1962 e, segundo Oliveira, nunca uma edição foi aberta com tantas preocupações como essa de 2025. “Vivemos tempos de incertezas, mais preocupante do que foi mostrado aqui no ano passado. A realidade mostra que, apesar de todos os nossos esforços, a situação do mercado latino-americano de aço continua em processo de deterioração, permanecendo sob forte pressão da capacidade global de produção excedente e do agressivo avanço dos produtos importados por meio de práticas predatórias de comércio, principalmente dos produtos oriundos da Ásia, sobretudo da China”, disse.
Para exemplificar, ele citou o caso da maior siderúrgica do Chile, a Huachipato, que fechou as portas devido à forte concorrência do aço barato importado da China. A decisão foi tomada em setembro de 2024 e impactou diretamente 2.700 trabalhadores naquele país e, indiretamente, outras 20 mil pessoas, como relatou a imprensa local após o fechamento da unidade, que tinha 74 anos de atividade.
A produção de aço bruto na América Latina alcançou 56 milhões de toneladas em 2024, uma queda de 2,5% em relação ao ano anterior. É o terceiro ano seguido de recuo. No primeiro semestre deste ano, a produção de aço bruto caiu quase 2% em relação ao mesmo período do ano passado e continua em queda, informou Jorge Oliveira.
O cenário é preocupante, disse. “As importações representaram quase 41% do consumo de aço aparente na América Latina até agosto de 2025, o nível mais alto dos últimos cinco anos, um verdadeiro absurdo. E o problema não é só o aço; estamos falando da cadeia de valor completa: os produtos industriais que contêm aço. De 2008 a 2024, as exportações chinesas de aço, de forma direta e indireta, para a América Latina cresceram impressionantes 300%. Tudo entra nos países com preços menores do que os nacionais, dados os subsídios do governo chinês para a produção”, disse. “Uma ameaça para as economias”, completa.
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o volume de aço exportado pela China chegará a 721 milhões de toneladas até 2027, sendo 15 vezes a produção do setor da América Latina em 2024. “Neste exato momento, empresas latino-americanas estão sendo obrigadas a reavaliar investimentos, reduzir a produção de plantas industriais e milhares de empregos estão sendo ou já foram cortados. A maior produtora de aço do Chile (Huachipato) encerrou suas operações”, lembra.
“A ameaça de desindustrialização é real e bate à nossa porta. Nos últimos 25 anos, o PIB industrial da região (América Latina) teve uma redução de 4 pontos percentuais”, completa. Segundo ele, o setor não tem como competir e enfrentar sozinho práticas de comércio desleais, como incentivos e subsídios estatais a fabricantes de aço de outras regiões, sobretudo da China. Essas práticas, conta, têm permitido que produtos importados cheguem à região com preço abaixo do custo, “evidenciando o caráter desleal da concorrência”.
De acordo com a OCDE, a China utiliza 10 vezes mais subvenções à sua indústria do aço do que todos os países da organização. “Quando considerados subsídios indiretos, como energia, financiamento e incentivos fiscais, por exemplo, o jogo está desigual”, completa Jorge Oliveira, que cobra reação mais eficiente dos governos latino-americanos e ações conjuntas na região. “O que precisamos são regras justas e mecanismos de defesa comercial efetivos”, afirma.
Ele cobra ações como a da Europa. Em outubro, a União Europeia anunciou a proposta de dobrar as tarifas de importação de aço de 25% para 50%, além de reduzir pela metade as cotas de importação de aço. “Os países que não se defenderem de forma estratégica comprometerão a sustentabilidade de suas indústrias. Agora é hora de a América Latina também se reposicionar frente aos desafios globais e decidir se os empregos da indústria ficarão aqui ou em outras regiões do mundo. Nosso setor é moderno, eficiente, comprometido com o futuro e investe regularmente”, conclui. O aço produzido na América Latina está entre os mais limpos do mundo, com uma pegada de carbono 30% inferior à média mundial.
O tarifaço dos Estados Unidos contra produtores brasileiros também foi mencionado como desafio por Oliveira: “No mundo, as tensões entre Estados Unidos e China afetam as cadeias de insumo e os preços de commodities e logística. Paralelamente, as tarifas impostas pelos Estados Unidos neste ano já apresentaram impactos negativos nas cadeias produtivas complementares da América Latina. O fato é que precisamos buscar, unidos, respostas efetivas para enfrentar este ambiente desafiador”, disse.
O presidente da Usiminas, Marcelo Chara, disse que a China vende abaixo do preço de mercado e o governo do Brasil já identificou o dano para a indústria brasileira em análises técnicas. “Esperemos medidas de defesa como antidumping para haver uma competição correta. China tem competição desleal. Nos preocupa o impacto da importação de produtos terminados que afeta toda cadeia de valor”, disse Chara, com exclusividade para O TEMPO.
Latino-americanos vivem ameaça de desindustrialização
Marcela Mejía Valencia, gerente-geral da colombiana Siderúrgica Del Occidente (Sidoc) e presidente do Comitê Colombiano de Produtores de Aço, disse que o PIB da Colômbia caiu 0,7% em 2024 em função da desindustrialização do país. Ela aponta a concorrência com produtos importados como um dos principais motivos. A entrada de produtos da China, Rússia e Turquia afeta o país.
Além desses fatores, a inflação alta, de 5% atualmente, impacta a construção civil, que demanda menos aço. “Preço alto desestimula a construção de moradias”, disse. Além da invasão de produtos chineses, a Rússia também está exportando muito para a Colômbia, já que o país não se fechou para os russos como fizeram outros após a guerra contra a Ucrânia.
No cenário que considera desleal para o aço colombiano, com a entrada de produtos chineses subsidiados, ela defende ação mais rápida das autoridades. “Temos que ser mais ágeis. Os governos dos países latino-americanos não podem esperar 14 a 18 meses para reagir”, critica.
Mesmo mais alinhado com os Estados Unidos e com “inspirações” protetivas ao mercado provenientes da proximidade territorial, o mexicano Salvador Quesada Salinas, diretor-geral da Câmara Nacional da Indústria de Aço do México, concorda que falta reação contra os importados da China.
“O problema central é a capacidade produtiva de aço mundial que cresce, alimentada pelos asiáticos, e vai tirando mercado dos latino-americanos. Temos que reagir com mais rapidez”. Muito além de taxas, ele acredita que a imposição de cotas seria uma saída mais eficiente. O México está tendo ações antidumping e fechando o mercado para produtos chineses.
Martin Rappallini, presidente da União Industrial Argentina (UIA), lamenta o que a presença de importados está fazendo com o país, que não cresce economicamente, segundo ele, há 15 anos. “Temos desafios como o Brasil, México e outros latinos, que são o equilíbrio fiscal, a inflação e o baixo crescimento. Nosso foco atual é reativar a economia, diminuir custos e trabalhar mudanças culturais para o desenvolvimento. Nesse cenário, não há como ter competição desleal dos importados”, disse.
Ele lamenta a grande presença de importados chineses no consumo na Argentina, que vem impactando o setor industrial local e os investimentos. Pelo lado do Brasil, Armando Monteiro, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e ex-senador, demonstra preocupação com a alta das importações no Brasil, bem acima do crescimento do PIB.
Em 2024, a economia cresceu 3,4%, mas as importações dispararam 15%, com presença significativa de produtos chineses. Para 2025, a conta deve se agravar, segundo ele, com a economia crescendo menos (entre 2% e 2,5% segundo várias projeções de mercado) e as importações com salto de 8%.
Outro fator, segundo ele, que enfraquece o setor produtivo brasileiro, é o tarifaço de Trump. “Tem efeito drástico sobre a indústria. Os Estados Unidos são os maiores importadores de bens manufaturados, com 22% do total. Com essa imposição das tarifas, temos um ano mais difícil, com desaceleração econômica e restrição de exportar manufaturados”, disse.
Sobre a entrada de aço chinês de forma, segundo ele, desleal no Brasil, ele cobra mais atenção do governo. “É preciso implantar medidas de defesa comercial, alinhadas a práticas predatórias recentes: arsenal de salvaguardas, medidas antidumping e medidas compensatórias aos setores atingidos. Mas não temos isso”, lamenta.
Para os participantes do setor siderúrgico de vários países latino-americanos presentes na Summit 2025, ele deu um recado: “É preciso promover maior integração regional. Analisando o nosso comércio intrarregional, ele está estagnado há 30 anos. Ações conjuntas de proteção ao mercado são necessárias”.
Especialista pede mais unidade na América Latina para combater concorrência
Oliver Stuenkel, escritor, conferencista e professor de relações internacionais da FGV, pede ações mais coordenadas na América Latina para proteger o mercado interno das importações. Segundo ele, o Brasil “fala pouco” da Colômbia, do Chile, da Argentina (até um pouco mais), do México e vice-versa. Mas os desafios são os mesmos: impacto das importações chinesas, tarifas, juros altos, inflação, baixo crescimento, pouco valor agregado na produção.
“É importante expandir os debates. É preciso ter ação conjunta para que se consiga avançar nos debates”, disse. Segundo ele, proteger o mercado é uma prática que todos os países fazem. Os Estados Unidos, com o tarifaço, estão fazendo isso. A China também defende seu mercado, até mesmo quando subsidia a produção. “Temos que ter ações de proteção, como esses países”, disse.
Sobre a briga comercial entre China e EUA, Stuenke disse que não cabe aos países escolherem um lado. “É preciso estabelecer debates e ter bom relacionamento com todos. Não podemos entrar nas questões diplomáticas e comerciais desses países. A América Latina deveria tomar ações mais conjuntas”, completa.
O norte-americano Philip K. Bell, presidente da Steel Manufacturers Association (SMA), a maior associação siderúrgica da América do Norte, que também estava presente na Summit 2025, defendeu as medidas de proteção dos Estados Unidos, com o tarifaço, e disse que é uma prática legítima dos governantes.
(O repórter viajou a convite da Alacero) / O Tempo

